Saturday, October 29, 2005




Querida,

Conte-me das coisas que não vi acontecerem. Fale das que eu esperava ansiosa.

Me fale também da vida amena. Da cor de suas cortinas novas.
– Você comprou mesmo, cortinas? - Sempre faz isso acompanhando grandes mudanças. “Novas penumbras para novas esperanças”, você dizia.

Estou desiludida e inquieta. Todos à minha volta estão satisfeitos com o trabalho. Eu não. Sonho com coisas estranhas sempre e sinto falta de companhia. Envelheço, minha amiga, não mentiria. As maçãs do rosto estão caindo; se me olho no espelho fico perplexa. O que mais me intriga é – elas acentuam mais ainda a queda quando sorrio. Depois disso venho me contendo – involuntariamente.

Esta cidade tem um vento violento. Ando muito a pé e tenho dificuldade. Estou mais magra.

O vento sempre me impede de apertar o passo e eu, sozinha, apesar disso, consigo ser mais assídua à esquina do que os ônibus que deixam velhinhas suando na parada. Vê se que elas definham debaixo do sol. A pele já flácida e rija parece derreter.

Não tenho tempo de pensar em minha tristeza. Gostaria, até. Minhas maiores reflexões vêm da rotina escassa. Reflexões seguidas de lamentações e sono. Mas a melancolia me persegue até em sonho.




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[em fotoartrografia]
Foto: Fabi Velôso
Atriz: Carola Oliveira
Tradução: Li

Tuesday, October 04, 2005



[AVANT LA LETTRE]

Certeza pra não desprezar um momento de devida sinceridade.
Presteza pra não tropeçar em meias palavras.
Tristeza pra não se alegrar com a miséria do mundo.
Franqueza pra dissimular a tristeza.
Riqueza para os outros.
Pobreza para os ideais rasos.
Destreza pra render o dia.
Limpeza para os olhos de manhã.
Magreza pra quem tem o dom.
Justeza pra quem espera e mesmo assim não alcança.

Mesa pra beleza dos que têm
coragem pra ser humano.