[FASES - SEM CULPAS, SEM PAZES]
Um dia acordei, depois de uma noite sem sonhos, perturbada por premonições de mãe precoce. Cecília provavelmente sonhava. Dormia tão levemente que temi que seus sonhos iludissem-na. Iludir-se é tão adolescente. E lá se vai uma parte da vida nessas perdas. Simbólicas perdas do que sequer um dia foram aquisições.
Sentei ao pé da cama tolamente observando o quarto que eu lhe havia feito. Os móveis que meus primeiros salários pagaram, os cds que influenciei, os livros. Nossos mundos eram muito distantes e apenas separados por uma parede verde-água. Ela nunca gostara muito daquela cor, acostumara-se. No mural pregado na parede, fotos descoladas brutalmente e aquela sensação de dejavù praticamente me hipnotizando.
Eu era Cecília. Em um plano espiritual diferente. Em diferentes medidas de cintura e gostos pra estampas. Nós éramos uma convenção que ela de uns tempos pra cá passara puramente a respeitar. E desrespeitar subitamente, saindo maquiada demais, curta demais, alvoroçada demais. Chorei uma lágrima muito óbvia. Senti frio, medo e amor.
Cecília dormia. Nada a acordaria cedo depois de uma noite em claro na rua. Só eu restei para as coisas práticas. Baixar as cortinas, cobrir-lhe o corpo, benzer-lhe e deixar a chave da porta no pé da samambaia.
4 Comments:
Cada dia mais intensa.
Profundamente melancólico.
ok. mike clinton, vc é um cara legal.
Eu sabia... :)
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