Friday, August 26, 2005



[A HORA CERTA]

A hora certa é um contorno tonto em torno da existência toda. Desvirtua com o juízo. Põe embaixo da trilha um ponto - duma imensa interrogação - onde tropeçamos; já que na superstição o tropeço é prenúncio da promessa.
Promissora, a promessa.

A volta (que sequer provém da vinda) embola a vista, pra que não se vejam as rotas. Na mente as idéias e paradoxos tornam-se uma coisa só.
Assim.

O estranho é viver sempre e tanto a espera da mesma hora. E esperar a hora como se espera o óbvio – pense num entardecer. O estranho é toda a humanidade querer na hora um refúgio, toda a energia da vida pairando e penetrando os poros.

Mas no cansaço que a espera(nça) causa, importa que a hora chega – retaliada – mas os filhos nascem, o salário aumenta, o amor funciona, a gente morre – porquê não.

Monday, August 01, 2005

[PAPEL (OFÍCIO)]

A vida, porém é o início das frases de onde advém a esperança. Às vezes uma esperança tão previsível como a vida, que nem por isso é fadada à tristeza. Penso em muitas coisas ao mesmo tempo. Penso em tantas coisas desinteressantes que raramente faço valer os meus pensamentos. Raramente penso e falo conseqüente. Às vezes, na mistura do pensamento com a ação, com a comoção, saem as apalavras tolamente, libertando-se de mim independentes, rasas, vazias de sentido inteligente, de sentido sentimental talvez, quem sabe. O fato é que quem ouve não é quem sente.

Franco e eu somos, em nosso plano espiritual, os mais próximos da redenção. Redime-se quem se safa, ou não? Fazemos o trabalho brilhantemente, seja qual for e não somos pretensos por isso. Somos apenas conscientes. Entendemos inclusive que na abstração ao mundo em que vivemos, devemos no mínimo arquivar devidamente os papéis, sorrir ao telefone, instruir-nos dos detalhes dos exercícios e dos deveres no exercício de detalhar. Falamos banalidades quando convém, e quando por trás do vidro sobre o parapeito não há ninguém.

Jorge mexe com todos os papéis possíveis. Tem grandes calos nas mãos. Como dizemos eu e Franco, tem joanetes até nelas. Escreve com rapidez e destreza, talvez tenha sido admitido por essas habilidades. Somos um cartório nada moderno, nossas estantes têm cupins que caem sobre os cabelos toda vez que o grande armário onde estão as coisas é aberto. Jorge é um tipo estranho. Pouco falante, corcunda. Às vezes nos admiramos de seus bons dias repentinos, ou de umas frases atropeladas que ele solta. Parece gago, mas nunca se sabe. “Estou com fome” pelo meio dia vem sendo comum.

Toda a disposição que eu tenho me é tomada assim. Todo dia. Gratuitamente. Porque quando não trabalho, envolvo-me em possíveis papéis e por vezes crio na mente óbitos e casamentos com a frieza que há nas frases que redijo. Penso então em não reler; esquecer as formalidades factuais, estar longe das dívidas judiciais prescritas sobre papéis timbrados, mas não agüento. O silêncio agoniado da pessoa física intriga; e entrega o olho a outro lugar.