Friday, May 06, 2005


Dele, ela cuida. Faz café fresco para a dor de cabeça passar.
Passa também os colarinhos com cuidado..
Não liga pro bafo matutino entre o desabafo
nem pro afobo em dizer tudo duma vez
- entre abafes com a mão estendida sobre a boca
“disfarçando o sono, ele fala da vida”.

Ele fala da vida.
Fala dela, sua vida, da doideira que dá nela de noite,
da doçura que a pressa omite,
do desmantelo que ela tem no caminho
- já trilhado, já sabido, já vivido,
já que a morte assombra a cabeça quando a solidão das outras coisas aperta.

As outras coisas apertam tanto quanto os sapatos em dia de muito sol.
Mas dias de fá sustenido povoam a vida de esperança,
como o povo que povoa as ruas
que na nudez da vida cosmopolita, passa em branco entre a luz do dia
dizendo “adeus”e “olᔠno mesmo tom.

Tuesday, May 03, 2005



[SUBIDAS]

Tão acostumada com o térreo eu era naquele tempo, morria de medo do quinto andar. Todo dia sentava exausta num banco que havia frente à escada e morria. De medo - do quinto andar.

Quando vi que aquele menino verde descia era de lá, quase que surtei. - Os cabelos castanhos, naquela luz que o vitrô do fim da escada transformava em penumbra, pareciam verdes. Além de seus olhos. Não tinham aquela beleza banal de todo olho verde. Pareciam balebas que giravam e mudavam de nuance. Sempre que se abriam na decida da escada, tinham as pupilas dilatadas; quem sabe era o cansaço, quem sabe o calor. “Deus fez dois riscos perfeitos ali”, eu pensava quando olhava acima dos olhos. Enquanto meus pensamentos davam voltas por aqueles andares de cima, ele caminhava com as costas caídas e os cabelos cobrindo e descobrindo a testa.

Um dia no banco,

- Você não usa elevador?
- Não... Como você sabe?
- Bem, eu percebo, só.
- Hum..
- Minha mãe disse que você é filho de seu Antônio...
- Eu sou.
- Ele é ótimo.
- Tuf! - ele tinha raspado a garganta e cuspido na calçada.
- O que é isso na sua mão?
- Erva fina. Quer?
- Vamos passear.
- A gente senta, desembrulha e enrola.

(...)

- Seu olho tá mais verde.
- É...
- O chão tá maciinho.
- É...
- Que sofá branco é aquele?
- Estamos na minha casa, gata.
- Seei.


Assim foi a subida. “Tranqüilo como um grilo”, ele descrevia seu estado. Depois dessa, vieram outras. Ooutras. Corriqueiras, eu diria.