Thursday, May 18, 2006

[DUAS LÁGRIMAS CHOCAS]

A um passo do prejuízo – parei de andar porque minha intuição me disse assim.

Pensei um pouco sobre as providências mais fáceis e menos sujas, mas hesitei. Mulheres fazem assim. Homens acendem um cigarro, levantam as calças e encaram. Sem saber o que fazer mesmo. Pois. Estava eu no âmago do meu ser indeciso – nasci homem, mas sou mulher; e desabrochei assim, sem culpa.

Pensei então em me fazer burra e frágil. Coisa que eu, mulher, não sou. Que eu, homem, nem nunca existi. Sentei para o ônibus decidida; num tronco oco que me agüentava. O que eu não agüentava era o bife ardido no dedão do pé – e duas lágrimas chocas que sequer acompanhavam a chuva. Não caíam.

Thursday, May 04, 2006




Sabe, preciso de silêncio para organizar meus pensamentos. Isso explica a minha desorganização característica. A mania de carregar muitos livros e o descuido de tropeçar nos próprios pés. Tenho medo de não ser feminina, tenho desejo de ser volúvel. Femininas volúveis parecem ter o poder nas mãos. Nos pés; nas bundas, muitas vezes magras. Penso. Minha volubilidade ficou perdida num pedaço remoto da minha infância. Aprendi a ser prática, mesmo sem acreditar na eficiência de ser prático. As eficiências, afinal, não superavam as deficiências. Nem tampouco as anulavam por algum instante. Não lembro se desisti. Talvez cedi. Sempre fui muito tola e aprendi a não ter vergonha disso. Li livros de criança e gostei tanto d’Os Lusíadas que já quase fui uma portuguesa. Dessas incuráveis. Bregas, mornas, magras e politizadas. A flauta me envenenou com o tempo. Achava o que faltava para minha lucidez ter onde pousar. Me enganei. Como em muitas outras vezes. Fui corcunda a vida inteira e difícil de condicionar. E assim nunca me curei das letras. Da paixão por vinho suave. Da empatia com galinhas. E com bichos silenciosos. Tartarugas. Coelhos. Borboletas. Formigas-rainhas. Rainhas.

Monday, May 01, 2006

[AMORECO PAULISTANO]

Nosso primeiro atrito. Te dei seu abraço de parabéns. Eu feliz, você aflito. Tentava entender o que eu dizia com os dentes truncados de um sorriso tão exagero.

Eu não era habituada, a falar em pés de ouvido, te pedi socorro quando você pisou no meu mindinho. Desajeitados éramos, entendedores do assunto. Desses que não se sabe bem como começar, onde pôr as mãos, pra onde olhar, como conter o coração dentro do peito.

Você me entendeu direito, quando eu falei que gostava da sua pinta no umbigo. Era minha certeza de saudade, minha falta de juízo. Te fiz poemas crescidos, copiei palavras machadianas e umas daquelas que eu via no mural do ônibus. Era pra você me amar. É de mulher isso de arrodear. Do sentido escondido dentro dos vestidos. Dos vestidos escondedores de sentidos. Prefiro precisar de você vez em quando a viver cantarolando sonetinhos que não me arrepiam nem os cabelos do braço. Ser um namorado não é assim pesaroso, assim burocrático. Me dê a mão e começamos caminhando pela Augusta.